Primeiro devo afirmar que é um acto de coragem! O livro "D'este viver aqui neste papel descripto" é a compilação de cartas escritas por António Lobo Antunes à sua mulher Maria José, quando este estava em Angola na guerra colonial. As filhas do casal respeitaram a vontade da mãe e só as leram e publicaram após o seu desaparecimento. Porém, sendo que o casal se separou posteriormente, o escritor ainda está vivo e concedeu que fossem expostos os seus sentimentos...
Confesso que a ideia que tinha do autor era de alguém distante, cáustico, com uma escrita difícil mas de qualidade nobel. Lendo as cartas, que compreendem um período de dois anos, mostram um Lobo Antunes mais aberto do que eu pensava, bruto na forma mas dócil no conteúdo. Apesar de nem sempre o conseguir mostrar, parece ser um homem tremendamente apaixonado pela mulher. A relação à distância, que tão bem conheço, é muito bem descrita em todos os seus pontos negativos e positivos (pensando bem, só há um ponto positivo: a definição da força da relação). Faz falta, e é uma pena, não termos acesso às cartas do elemento feminino, mas vamos percebendo certas coisas. A partida do marido, a gravidez, os exames da faculdade, a procura de casa, o nascimento da filha, as saudades e falta do seu homem! Tudo é acompanhado à distância por António e, indirectamente, por nós...
Por outro lado, a faceta de médico é apenas vagamente mencionada, sendo que acompanhamos o crescimento do escritor. A sua escrita reflecte claramente a sua maneira de ser! Primeiro acredita que a obra que está a escrever é genial (muito melhor que os livros que vai lendo e que vai criticando destrutivamente), depois acha que precisa de muita revisão, noutra fase desespera e quase destrói tudo, e por fim deixa para o discernimento da mulher. É um amadurecimento aos repelões, próprio de um escritor que é perfeccionista com poucos, e que admira raras obras ou escritores.
Um belo livro, que abrange um relato de guerra, uma estória de amor e um diário pessoal...
Assim lê o mundo...
segunda-feira, janeiro 30, 2006
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1 comentário:
olha, fiquei com vontade de o ler porque gostei bastante dos cus de judas. há escritores que têm uma forma muito própria de escrever e é preciso entrar no seu mundo privado para entender o que escrevem. o lobo antunes é um deles.
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