As melhores lições de vida nunca vem nos livros... São-nos dadas por alguém que passou por algo e deseja partilhar a experiência. E um dia destes, mestre, recebi uma lição que nenhum programa de tv, nenhum manual científico, nenhuma conferência de especialistas me poderia dar. Mas comecemos do princípio!
Na minha cidade vive um homem... Ninguém sabe o nome ao certo, mas é conhecido por "Goodoo" ou Gudu". Não sei ao certo porque nunca vi escrito! É um homem desafortunado,e que recorre à bebida todos os dias, para que o tempo pareça diferente...
Numa daquelas noites que se transformam em madrugada, eu e um grupo de amigos encontramo-lo à saida de um café. Com o talento próprio dos pedintes, perguntou a cada um de nós se não tinha uma moeda para ir comprar uma cerveja. O primeiro que lhe entregou uma moeda, deu-lhe 50 centimos (que quase perfazia o total necessário para adquirir tal bem). Começou aqui a lição... Imediatamente, naquele seu ar sério-cómico, exclamou que ele não devia ter feito isso! Isto porque, assim, nós já não iríamos ver necessidade em dar uma moeda "maiorzinha" e daríamos apenas umas "pequeninas". Rimos com uma tal teoria elaborada sobre o comportamento humano e como recompensa, demos todos moedas que quase davam para duas cervejas. Ainda antes de prosseguir com a sua missão hidratante, decidiu contar-nos que numa noite passada tinha chegado a casa tarde e tentou comer umas salsichas sem acordar a mãe. A ideia de um homem com trintas e poucos anos, que pesa uns cem quilos, a tentar fazer as coisas silenciosamente (com a dificuldade acrescida de estar ébrio) para não acordar a mãe, tinha qualquer coisa de artístico, tipo Marcel Marceau. Já dobrados de riso com a cena de ele estar com a cabeça dentro do frigorífico para não fazer barulho, somos surpreendidos com a pancada na nuca dada a si mesmo, para ilustrar o que a mãe lhe tinha feito. Digo-te, mestre, há teatro a sério com muito menos graça. Deixou-nos a chorar a rir para comprar a cerveja, mas voltou passado uns minutos. Trazia uma lata de néctar na mão e um sorriso nos lábios.
Decidimos saber mais sobre este homem... As voltas da vida fizeram dele um empregado/desempregado, que por nunca ter estado mais de seis meses num sítio o impedia de receber o subsídio de desemprego. Pois bem, esta vida desregrada fê-lo entrar no mundo da droga. E começou um relato pessoal, intercalado com lições médicas, que nos amadureceu a todos! Uma história assim, contada na primeira pessoa, arrepia, emociona, assusta... Contou-nos como começou com uns charros normais e que por aí se devia ter ficado. Mas não! Experimentou a "castanha" (heroína) e tornou-se um viciado. Mergulhou num inferno pessoal, que o levou a perder a namorada de há 11 anos. Vacilou na narrativa com uma lágrima, já que a perda das pessoas de quem gostamos nos enfraquece a alma. E essa dor é pior que a física... Distinguiu as ressacas que a heroína e a cocaína (a "branca") dão e como geralmente basta uma vez para nos agarrar. Enumerou as vezes que tentou deixar o vício, mas alertou que não é fácil. Lembrei-me do que escreveste no último livro: " Bertrand Russel, um dos poucos sábios dotados de sentido de humor - «deixar de fumar é muito fácil, já o fiz cem vezes»"... Se o tabaco é viciante, imagino drogas duras!
Ouvimos o relato calados, com respeito por alguém que não toca em droga há dois anos! Que importa que beba umas cervejas, se largou algo muito mais grave e perigoso?
Ao ver-nos demasiados silenciosos, fez o último aviso para nem sequer experimentarmos e decidiu acabar a conversa com a descrição da sua única incursão pelos ácidos. Contou que decidiu tomar mais do que devia e acabou a noite, deitado na sua cama a ver o Napoleão deitado no seu guarda-vestidos. Mais uma vez a imagem foi tão real que rimos como perdidos...
Tivemos de ir embora, e ao recolher dinheiro para mais uma cervejinha, olhei-o nos olhos e disse-lhe mentalmente: "Obrigado!"
Assim vai o mundo...
domingo, abril 24, 2005
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1 comentário:
Ó Chico, "obrigada" é o que digo sempre que tenho estágio!! Devias fazer o meu curso, acho k ias gostar!! Beijinhos e gostei da mini-história de vida!!
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