Gostei desta crónica de Paula Moura Pinheiro...
O que é uma cidade?
LUANDA é uma cidade mais interessante que Berlim.
Sob o persistente capacete de pó das suas ruas de asfalto escalavrado e terra batida, intransitável nas compactas filas de jeeps de último modelo e velhos toyotas remendados, ensurdecedora, sem saneamento minimamente adequado, na coabitação caótica dos musseques com os jovens edifícios "hightech", de incríveis prédios-colmeia com gruas e novas fundações, na decadência dos seus edifícios coloniais, intensamente habitados, usados, reciclados, Luanda é uma cidade mais interessante que a disciplinada Berlim.
O que faz de Luanda uma cidade mais interessante que Berlim? Não, seguramente, a chamada qualidade de vida, "qualidade devida" - na expressão de Luísa Schmidt.
O que faz de Luanda uma cidade mais interessante que Berlim é... a vida. Luanda é uma cidade vibrante, com um comércio febril (nos intermináveis engarrafamentos é possível comprar volantes de automóvel, grelhadores ou a versão local da "motorolla": sanduíches com pasta de atum ou outro recheio à escolha, montadas ali mesmo, aos olhos do cliente), uma cidade onde o presente é permanentemente reinventado, onde todos desenvolvem os seus expedientes à velocidade de uma procura sempre mutante, que é outra forma de dizer iniciativa.
Frenética iniciativa privada, em que se respira a urgência de um futuro que pode ser qualquer coisa de inesperado. Excitante.
Vinte anos depois do incêndio do Chiado, Lisboa, e a zona do Chiado em particular, é também interessante. E é interessante apesar de tão mal gerida. Em rigor, o que torna Lisboa uma cidade interessante acontece à revelia das (alegadas) políticas camarária, urbana, metropolitana. Três exemplos: a loja da Fnac fez mais pela revitalização do Chiado que os sensatos edifícios do erudito Siza Vieira, os precários bares da íngreme Bica ou o assimétrico multicolor dos imigrantes fazem mais pelo cosmopolitismo efervescente da cidade que os seus hotéis de "design" ou casas como a Hermès e a Cartier - cuja coexistência, há que reconhecê-lo, é boa.
Quero com isto dizer que dispensamos a boa gestão autárquica? Não. Quero dizer que uma cidade é muito mais que o seu desenho previdente. Que no início do século XXI temos já a obrigação de saber que o núcleo duro da vida das cidades escapa sempre por entre os dedos aos seus planos e às suas políticas. E que é na aguda consciência da complexidade das coisas que devemos operar.
Paula Moura Pinheiro (in Expresso)
Assim vai o mundo...
sábado, agosto 23, 2008
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