terça-feira, setembro 29, 2009

O mundo da política...

Ainda a propósito de política, o artigo de José Manuel dos Santos no Expresso de Sábado...

Um Homem Comum

A política é-lhe próxima e distante. Próxima, porque lhe dá atenção e, mesmo quando se irrita ou descrê, não se deixa tentar pela indiferença ou pela renúncia. Distante, porque a vida enrola-o com os seus fios e não lhe deixa tempo nem ânimo. Por isso, participa pouco, mas não se distrai. Gosta de conversar com os colegas e amigos sobre o que acontece. Gosta de os contradizer, de os provocar, acabando tudo bem.

Lembra-se dos tempos em que a política gerava injúrias e zangas, provocava conflitos e desacatos. Esses foram os tempos da Revolução e do que se lhe seguiu. Antes do 25 de Abril, era discretamente do contra: dizia mal em voz baixa. Depois do 25 de Abril, quis informar-se. Leu os programas dos partidos. Comprou alguns livros de teoria política: os clássicos e os que explicavam os clássicos. Nessa altura, leu uma frase que o marcou: "Se há três chapéus e cinco cabeças, ou fazem-se mais dois chapéus ou cortam-se duas cabeças." A primeira hipótese pareceu-lhe mais razoável...

Depois de algumas hesitações, aproximou-se do PS. A ideia de um 'socialismo em liberdade' agradava ao seu humanismo sentimental. Ouviu Mário Soares, chegado do exílio à Estação de Santa Apolónia, e permaneceu atento ao que ele dizia. Impressionava-o Cunhal e a sua aura, mas, pelo que sabia da União Soviética, tinha uma grande desconfiança do comunismo. Admirara o Sá Carneiro da Ala Liberal, mas, pouco a pouco, foi deixando de o reconhecer. Com o acelerar da Revolução ficou claramente do lado daqueles que se opunham à radicalização. Nas primeiras eleições, votou no PS e gostou de ganhar. Meses depois, esteve na Fonte Luminosa. Nesse tempo, isso sim!, discutia política com fervor e fúria. Zangou-se até com um cunhado e dois primos.

Depois, a política acalmou. Ele continuou a votar no PS. Às vezes, era-lhe difícil defender certos actos, certas palavras, certos silêncios do governo. Dizia: "Eu votei no PS, mas com isso não concordo!" Houve momentos em que se arrependeu de assim ter votado. Mas, se olhava à volta, ficava mais conformado. Os anos foram passando e ele continuou a votar no PS: umas vezes, com entusiasmo; outras, com resignação. Numa eleição, absteve-se. Depois, arrependeu-se. Noutra, zangado com uma decisão que o atingia directamente, votou noutro partido. Depois, arrependeu-se ainda mais.

Com a distância do tempo, analisou e concluiu que o PS, como todos os que governam, cometeu erros, teve ministros bons e maus, fez coisas que não devia ter feito e não fez outras que devia ter feito. Mas, tudo medido e pesado, não falhou no essencial.

Nas eleições de 2005, perante a situação a que se chegara, andou a convencer colegas, à direita e à esquerda, a votar no PS. Deu por si a defender a ameaçada dignidade das instituições! Ao ver que os socialistas alcançaram a maioria absoluta, ficou aliviado. Sabia que vinham aí tempos difíceis. Mas, pelo menos, havia um governo a governar e a 'fazer reformas'. Pagou também os custos de algumas delas. Reconhecia, porém, a sua necessidade e urgência. Às vezes, pensava que a mesma coisa podia ser feita de outra maneira... E assim o tempo foi passando, com as sondagens a dizerem que, apesar de tudo, a maioria das pessoas compreendia e apoiava o governo.

De repente, percebeu que o clima estava a mudar. Sócrates começou a ser atacado com uma ira que o surpreendeu: tornou-se o homem a abater. Explicava isso pela instabilidade dos portugueses, que, bipolares políticos, oscilam entre a atracção pela tirania e o fascínio da anarquia. Comentava com os colegas: "Quando o governo do Cavaco acabou, toda a gente gritava contra o autoritarismo e a arrogância, exigindo diálogo. Por isso, a seguir, ganhou o Guterres. Quando o governo do Guterres terminou, toda a gente protestava contra o diálogo e reclamava autoridade e firmeza. No fim do governo do Santana, bramava-se contra as trapalhadas e a confusão. Agora, já se diz outra vez que há autoridade a mais. Exigem reformas e, quando alguém as faz, ficam todos furiosos! Afinal, em que ficamos?! Eu não percebo os portugueses."

De facto, não percebe! Sabe que houve erros, mas o fundamental foi feito. Acha Sócrates um governante capaz, responsável. Não vê melhor - todos os outros são piores! O Louçã irrita-o. A Ferreira Leite deprime-o. O Portas fatiga-o. O Jerónimo desinteressa-o. Sobretudo num momento de crise, pensa que os portugueses estão a brincar com o fogo. Ele próprio brincou com o fogo: nas europeias, não votou. Quando viu os resultados, ficou com má consciência. Tornou-a boa, dizendo: "Pode ser que aprendam com o susto!"

Agora, quando lhe perguntam: vais votar em quem?, responde: "Vou votar no Sócrates. Conheces alguém melhor?!..." E ri, com um riso nervoso...

Assim vai o mundo...

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